Escrevendo um pequeno sistema de computação simbólica em R (Parte 1/4)
Esse post é bem antigo. Muita coisa pode estar incorreta devido a novidades que aconteceram desde então, ou porque meu entendimento na época não era tão claro.
An english version of this post is available here.
Essa semana me peguei pensando em como pacotes como o dplyr
utilizam muito recursos de metaprogramação (isto é, computação sobre a própria linguagem) para criar funções com grande poder expressivo. Me perguntei: será que é possível usar isso para manipulação algébrica? Em particular, seria possível criar uma função que, dada a descrição simbólica de uma função, computasse sua derivada?
Pensei no problema da derivada, em particular, porque é evidente que encontrar as derivadas de funções elementares é uma mera manipulação formal (embora tediosa), ao contrário da busca por antiderivadas, que está muito mais para arte que para algoritmo.
Descobri, depois de alguns dias brincando com a ideia, que isso não só é possível como é possível com relativa facilidade. É um exercício que ilustra bem como as ferramentas funcionais e de metaprogramação do R se traduzem em mais concisão e expressividade.
Quero que esta linguagem satisfaça quatro requisitos:
- Possa descrever concisamente todas as funções elementares do cálculo, isto é, aquelas obtidas a partir de polinômios, trigonométricas, exponenciais e logaritmos.
- Que as funções expressas possam ser manipuladas simbólica e numericamente.
- Possa computar simbolicamente as derivadas destas funções.
- Que as expressões simbólicas geradas sejam simples, na medida do possível.
Quero deixar claro que não sou nenhum especialista em computação simbólica e que, muito provavelmente, um sistema para uso real-world precisaria implementar várias otimizações dos algoritmos aqui usados.
Mãos à obra, então! Estou usando três pacotes: purrr
, lazyeval
, e glue
. O uso deles será explicado ao longo do texto.
O primeiro detalhe é que quero ter uma função chamável, isto é, que eu possa avaliar f(x) diretamente para algum número, mas ao mesmo tempo preciso que ela possa armazenar mais informações, por exemplo, uma representação em string ou qual é a sua derivada. Para isso, posso usar os atributos em R.
Em R, todo objeto pode guardar dados através da função attr()
. Pode-se depois acessá-los via attr()
ou %@%
. Então basta pegar uma função matemática ordinária em R e adicionar os dados que forem necessários a ela via atributos. Também modificarei o método print()
e o as.character
delas para que o trabalho com essas funções no console seja mais agradável. Por último, criarei uma função para computar simbolicamente a n-ésima derivada.
library(purrr)
library(glue)
library(lazyeval)
symbolic = function(f, repr, df, type, params = list(), inverse = NULL) {
class(f) = c("symbolic", "function")
attr(f, "repr") = repr # uma representação da função, como string
attr(f, "df") = lazy(df) # a derivada da função
attr(f, "inverse") = lazy(inverse) # a inversa da função. não será usada ainda.
attr(f, "type") = type # que tipo de função isso é
attr(f, "params") = params # os parâmetros que definem uma função daquele tipo
f
}
# funções auxiliares
is_symbolic = function(x) inherits(x, "symbolic")
as.character.symbolic = function(f) f%@%"repr"
print.symbolic = function(f) cat(glue("x -> {f}"))
# função para calcular a n-ésima derivada recursivamente
D = function(f, n = 1) {
if (n == 0) # não faz nada
f
else if (n == 1) # se quer a primeira derivada, apenas retorna o atributo df de f
lazy_eval(f%@%"df")
else # se não, calcula a n-1 ésima derivada da sua derivada
D(lazy_eval(f%@%"df"), n - 1)
}
Uma ferramenta muito importante e usada extensivamente neste projeto é a lazy evaluation. Isto ficará claro quando eu definir a primeira função dentro deste sistema: a função nula. Sabe-se que a derivada da função nula é a própria função nula. Defino-a por uma via aparentemente circular, que intuitivamente deveria resultar em alguma espécie de erro, mas não é isso que ocorre. Veja:
Null = symbolic(
f = function(x) 0,
repr = "0",
df = Null,
type = "null"
)
is_nullf = function(x) x%@%"type" == "null"
Null
#> x -> 0
Null(5)
#> [1] 0
D(Null) # a própria função nula
#> x -> 0
Defino Null
como o resultado de symbolic()
aplicado a uma lista de parâmetros e um deles é o próprio Null
, e mesmo assim tudo funciona corretamente? O segredo para isso é a função lazy()
, que é usada no interior de symbolic()
. Ela captura a expressão que define a derivada, mas não a executa. De fato, não preciso computar a derivada de uma função logo que a defino, só precisamos saber como computá-la, e é precisamente isso que lazy(df)
faz. Somente em D()
que preciso ter a derivada computada de fato, e lá que uso lazy_eval()
para obtê-la.
Experimente rodar o código anterior retirando as chamadas a lazy()
. Você irá obter a seguinte mensagem de erro:
Error in symbolic(f = function(x) 0, repr = "0", df = Null, type = "null") :
object 'Null' not found
Isto ocorre porque Null
ainda não está definido no momento em que symbolic()
é chamada. A lazy evaluation cortorna isto. Ela diz que, quando eu quiser calcular a derivada de Null
, basta retornar a própria Null
. Só que quando isso acontecer, Null
já terá sido definida. Problema resolvido :)
Podemos, então, definir mais alguns tipos de funções:
Const = function(c) {
if (c == 0)
return(Null)
symbolic(
f = function(x) c,
repr = as.character(c),
df = Null,
type = "const",
params = list(c = c)
)
}
is_const = function(x) x%@%"type" == "const"
# Monômios
Mono = function(a = 1, n = 1) {
if (a == 0)
return(Null)
if (n == 0)
return(Const(a))
symbolic(
f = function(x) a*x^n,
repr = glue("{a}*x^{n}"),
df = Mono(n*a, n-1),
type = "mono",
params = list(a = a, n = n),
inverse = Mono(1/a^(1/n), 1/n)
)
}
is_mono = function(x) x%@%"type" == "mono"
Log = symbolic(
f = log,
repr = "log(x)",
df = Mono(1, -1),
type = "log",
inverse = Exp
)
is_log = function(x) x%@%"type" == "log"
Exp = symbolic(
f = exp,
repr = "exp(x)",
df = Exp,
type = "exp",
inverse = Log
)
is_exp = function(x) x%@%"type" == "exp"
Sendo estrito, a definição de inversa de monômios que dei só vale para domínio nos positivos, mas este é o tipo de sofisticação que ainda não resolverei nesta série de posts. Testando pra ver se está tudo funcionando corretamente:
f = Const(3)
f(5)
#> [1] 3
D(f)
#> x -> 0
D(f, 2)
#> x -> 0
f = Mono(0.5, 2)
f(3)
#> [1] 4.5
D(f)
#> x -> 1*x^1
D(f, 2)
#> x -> 1
f = Log
f(exp(1))
#> [1] 1
D(f)
#> x -> 1*x^-1
D(f, 2)
#> x -> -1*x^-2
f = Exp
f(1)
#> [1] 2.718282
D(f)
#> x -> exp(x)
D(f, 2)
#> x -> exp(x)
Até agora conseguimos definir algumas funções elementares, mas ainda não podemos fazer nada muito divertido com elas. O cálculo começa a ficar interessante quando podemos definir novas funções através de somas, produtos e, com destaque especial, composições. No próximo post da série explicarei como adicionar isto ao sistema. Até lá!
- Parte 2/4: Definindo somas, produtos e composições
- Parte 3/4: Ensinando as simplificações álgebricas
- Parte 4/4: Tornando a representação das funções mais inteligente
O código como encontrado ao final deste post pode ser visto aqui.